quinta-feira, novembro 10, 2011

A prorrogação da DRU e os impactos na Previdência Social


Por Aquiles Melo

“Diante dessa avalanche de avaliações sombrias massificadas pela mídia, não é de se estranhar que pessoas comuns, políticos e até pessoas respeitáveis do meio acadêmico acreditem que é preciso, urgentemente, fazer a reforma da previdência para resolver um problema financeiro gravíssimo. O déficit, no entanto, não existe.


Sempre que a grande mídia se propõe a apresentar os problemas mais graves no Brasil a questão do “déficit” da previdência aparece como um dos mais lembrados. Segundo o Ministro da Previdência, Garibaldi Alves, o déficit da previdência em 2010 fechou em 93 bilhões de reais, sendo a maior parte dele (51 bilhões) devido à aposentadoria dos servidores públicos.

Junto a essa notícia, assistimos à aprovação da prorrogação da Desvinculação de Receitas da União (DRU), mecanismo criado no governo Itamar Franco que permite o governo utilizar livremente 20% da arrecadação de todos os tributos, mesmo os que tiverem vinculação obrigatória pela Constituição.

A pergunta que fazemos é: Existe alguma relação entre a DRU e o suposto “déficit” da previdência? A quem interessa prorrogar a DRU?


Reproduziremos nesse breve espaço alguns levantamentos de pesquisas realizadas por institutos e professores universitários sobre a Previdência Social Brasileira, que demonstram claramente que o suposto “déficit” da previdência tem sua origem ao se adotar uma visão parcial dos fatos. Além disso, faremos uma síntese da relação existente entre DRU e a Previdência Social Brasileira.

Iniciamos pela apresentação da Nota Técnica número 52 do DIEESE intitulada “A previdência Social tem déficit?”. Segundo coloca o DIEESE, a Previdência Social Brasileira faz parte do complexo chamado Seguridade Social, que envolve além da Previdência, a Saúde e a Assistência Social. Segundo o artigo 195 da Constituição Federal, suas fontes de financiamento englobam, além das contribuições dos trabalhadores sobre seus rendimentos do trabalho, as contribuições da empresas (sobre salários, faturamento e lucro), recursos dos concursos de prognósticos, contribuição de importadores além de recursos das três esferas de governo. Grifamos este além das contribuições..., porque, muitas vezes, apenas essas receitas entram nos cálculos dos que promovem o “déficit” da previdência.

Nessa nota são identificadas três visões ao se interpretar a previdência brasileira. A primeira delas consiste na visão fiscalista, que adota como parâmetro para o cálculo do “déficit” a diferença entre os recursos que entram no fundo específico para a Previdência Social, criado pela Lei de responsabilidade Fiscal, pelo montante de benefícios previdenciários pagos. Devemos ressaltar que esta visão despreza as receitas oriundas de outras fontes, valendo-se apenas das contribuições dos trabalhadores e das empresas.

A segunda visão apresentada é a visão constitucionalista, onde os preceitos constitucionais de financiamento da Seguridade como um todo – englobando aqui também a previdência - são levados em conta, como é o caso dos impostos COFINS e CSLL. Dessa forma, em sendo garantidos os recursos previstos na constituição para a composição da seguridade social, a previdência brasileira, ao contrário do que colocado, apresentaria um superávit.

A terceira e última visão apresentada pela nota é a chamada pragmática, no entanto, por tratar ainda da CPMF e esta não mais existir, não nos deteremos sobre ela.

A questão que levantamos aqui é por que a visão fiscalista impera sobre a visão constitucionalista? Uma vez assegurados pela constituição os recursos de outras fontes, por que se insiste em desprezá-los não os levando em conta na hora do cálculo?
Em sua tese doutoral, a professora Denise Gentil concluía que,

“[...] o sistema de seguridade social é financeiramente auto-sustentável, sendo capaz de gerar um volumoso excedente de recursos. Entretanto, parcela significativa de suas receitas é desviada para aplicações em outras áreas pertencentes ao orçamento fiscal permitindo que as metas de superávit primário sejam cumpridas e até ultrapassadas. Ao contrário do que é usualmente difundido, o sistema de previdência social não está em crise e nem necessita de reformas que visem ao ajuste fiscal, pois o sistema dispõe de recursos excedentes, mas de reformas que permitam a inclusão de um grande contingente populacional que hoje se encontra desprotegido
  
   E é nesse ponto que entramos na discussão da DRU e sua influência nos gastos sociais. O orçamento geral da União apresenta uma série de vinculações de receitas para alocação dos recursos em setores específicos. Quando do processo de estabilização econômico (1994), foi criado o Fundo Social de Emergência (FSE) com o intuito de garantir o cumprimento da política fiscal de Itamar/FHC, em especial a de superávit primário, permitindo assim desvincular parte das receitas do orçamento para outras áreas que não as de destinação específica.

Apesar de o Governo Federal apresentar argumentos contrários à relação entre DRU e gastos sociais, esses podem ser verificados através do relatório DESVINCULAÇÃODE RECEITAS DA UNIÃO, GASTOS SOCIAIS E AJUSTE FISCAL de autoria do economista e Consultor Legislativo Fernando Dias. Neste o autor afirma:

Em relação às áreas sociais, uma análise meramente legal da DRU mostraria que as áreas de educação, saúde e trabalho foram prejudicadas. A tabela abaixo mostra as reduções de recursos vinculados para essas áreas com a desvinculação:

REDUÇÃO DE RECURSOS VINCULADOS - 2006
R$ milhões
Sem DRU
Com DRU
Perda
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE)
17.676
11.553
6.124
Fundo Nacional de Saúde (FNS)
16.808
13.446
3.362
Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT)
23.388
18.710
4.678

Apesar do autor deste relatório afirmar ao seu fim que não existem perdas para a seguridade social, saúde ou educação com a DRU – uma vez que o autor entende que recursos de outras fontes cobririam essa retirada -, a perda de receita fica evidente na tabela acima.

Fica claro que prorrogação da DRU é um mecanismo necessário para a manutenção de uma política contracionista e fiscalista desenvolvida desde os governos FHC até Lula e que, apesar das nuances desenvolvimentistas adotadas recentemente pelo governo, vem tendo continuidade com Dilma. Boschetti e Salvador afirmam que o a DRU

[...] a alquimia de transformar os recursos destinados ao financiamento da seguridade social em recursos fiscais para a composição do superávit primário e, em conseqüência, sua utilização para pagamento de juros da dívida. Conforme a  Anfip (2005), somente em 2004 a DRU foi responsável pela desvinculação de R$ 24 bilhões das receitas arrecadadas para a seguridade social.

Cardoso Jr. e Castro, ao discorrerem sobre as transferências de renda do lado real da economia para o lado financeiro, ressaltam que

Particularmente importante para a compreensão geral deste argumento são as transferências que se tem observado do Orçamento da Seguridade Social para o Orçamento Geral da União (e não o contrário, como estava previsto pela Constituição de 88). [...] há, durante todo o período 1995/2002, mas sobretudo a partir de 1999, uma situação na qual uma parte estimada anualmente entre 1% e 2% do PIB é arrecadada em nome da área social, mas a ela não repassada. Mediante o FSE/FEF/DRU, desvincula-se 20% de recursos gerais do orçamento para “livre” uso por parte do governo federal, vale dizer, para a geração de superávit primário exigido pelo FMI e pagamento de parte dos juros da dívida pública.” (Grifos nossos).

Podemos então concluir que a prorrogação da DRU, apesar do discurso contrário do governo, retira da Seguridade Social – e aqui incluída a Previdência Social - recursos fundamentais para o fechamento de suas contas. A falácia do déficit da previdência é alimentada pela própria política fiscalista adotada pelo governo federal e não denunciada pelos veículos da grande imprensa. Por detrás da divulgação do “déficit” cresce o interesse pela privatização do setor. Garibaldi Alves, atual ministro da Previdência, já fala que as aposentadorias e pensões dos servidores públicos são os maiores problemas para a previdência e que a criação de um fundo de específico para eles seria a melhor saída. Aos poucos o governo avança no convencimento dessa necessidade. É imperioso para a militância de esquerda denunciar essa campanha em andamento, bem como mostrar o que de fato acontece com a Previdência Social no Brasil.

Saiba mais sobre como funciona a previdência social, bem como a farsa sobre o “déficit” da previdência, através da tese de doutorado da profa. Denise Gentil [PDF

Bibliografias sobre assunto:

Boschetti e Salvador - O Financiamento da Seguridade Social no Brasil no Período 1999 a 2004: Quem Paga a Conta? [PDF]

Cardoso Jr. e Castro - Economia Política das Finanças Sociais Brasileiras no Período 1995/2002. [PDF]

Salvador - Fundo Público no Brasil: Financiamento e destino dos recursos da Seguridade Social (2000 à 2007) [PDF]




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