Por Aquiles Melo
“Diante dessa avalanche
de avaliações sombrias massificadas pela mídia, não é de se estranhar que
pessoas comuns, políticos e até pessoas respeitáveis do meio acadêmico
acreditem que é preciso, urgentemente, fazer a reforma da previdência para
resolver um problema financeiro gravíssimo. O déficit, no entanto, não existe.”
Denise
Lobato Gentil - A Falsa Crise do Sistema de Seguridade Social no Brasil: uma análise financeira do período 1990 – 2005
Sempre que a
grande mídia se propõe a apresentar os problemas mais graves no Brasil a
questão do “déficit” da previdência aparece como um dos mais lembrados. Segundo
o Ministro da Previdência, Garibaldi Alves, o déficit da previdência em 2010
fechou em 93 bilhões de reais, sendo a maior parte dele (51 bilhões) devido à
aposentadoria dos servidores públicos.
Junto a essa
notícia, assistimos à aprovação da prorrogação da Desvinculação de Receitas da União (DRU), mecanismo criado no
governo Itamar Franco que permite o governo utilizar livremente 20% da
arrecadação de todos os tributos, mesmo os que tiverem vinculação obrigatória
pela Constituição.
A pergunta que
fazemos é: Existe alguma relação entre a DRU
e o suposto “déficit” da previdência? A quem interessa prorrogar a DRU?
Reproduziremos
nesse breve espaço alguns levantamentos de pesquisas realizadas por institutos
e professores universitários sobre a Previdência Social Brasileira, que
demonstram claramente que o suposto “déficit” da previdência tem sua origem ao
se adotar uma visão parcial dos fatos. Além disso, faremos uma síntese da
relação existente entre DRU e a
Previdência Social Brasileira.
Iniciamos pela
apresentação da Nota Técnica número 52 do DIEESE intitulada “A previdência Social tem déficit?”. Segundo coloca o DIEESE, a Previdência Social
Brasileira faz parte do complexo chamado Seguridade Social, que envolve além da
Previdência, a Saúde e a Assistência Social. Segundo o artigo 195 da
Constituição Federal, suas fontes de financiamento englobam, além das contribuições dos trabalhadores
sobre seus rendimentos do trabalho, as contribuições da empresas (sobre
salários, faturamento e lucro), recursos dos concursos de prognósticos,
contribuição de importadores além de recursos das três esferas de governo. Grifamos
este além das contribuições..., porque, muitas vezes, apenas essas receitas entram
nos cálculos dos que promovem o “déficit” da previdência.
Nessa nota são
identificadas três visões ao se interpretar a previdência brasileira. A
primeira delas consiste na visão fiscalista,
que adota como parâmetro para o cálculo do “déficit” a diferença entre os
recursos que entram no fundo específico para a Previdência Social, criado pela
Lei de responsabilidade Fiscal, pelo montante de benefícios previdenciários
pagos. Devemos ressaltar que esta visão despreza as receitas oriundas de outras
fontes, valendo-se apenas das contribuições dos trabalhadores e das empresas.
A segunda visão
apresentada é a visão constitucionalista,
onde os preceitos constitucionais de financiamento da Seguridade como um todo –
englobando aqui também a previdência - são levados em conta, como é o caso dos
impostos COFINS e CSLL. Dessa forma, em sendo garantidos os recursos previstos
na constituição para a composição da seguridade social, a previdência
brasileira, ao contrário do que colocado, apresentaria um superávit.
A terceira e
última visão apresentada pela nota é a chamada pragmática, no entanto, por tratar ainda da CPMF e esta não mais existir,
não nos deteremos sobre ela.
A questão que
levantamos aqui é por que a visão fiscalista impera sobre a visão
constitucionalista? Uma vez assegurados pela constituição os recursos de outras
fontes, por que se insiste em desprezá-los não os levando em conta na hora do
cálculo?
Em sua tese
doutoral,
a professora Denise Gentil concluía que,
“[...] o sistema de seguridade social é
financeiramente auto-sustentável, sendo capaz de gerar um volumoso excedente de
recursos. Entretanto, parcela significativa de suas receitas é desviada para
aplicações em outras áreas pertencentes ao orçamento fiscal permitindo que as
metas de superávit primário sejam cumpridas e até ultrapassadas. Ao contrário
do que é usualmente difundido, o sistema de previdência social não está em
crise e nem necessita de reformas que visem ao ajuste fiscal, pois o sistema
dispõe de recursos excedentes, mas de reformas que permitam a inclusão de um
grande contingente populacional que hoje se encontra desprotegido”
E é nesse ponto que entramos na
discussão da DRU e sua influência nos
gastos sociais. O orçamento geral da União apresenta uma série de vinculações
de receitas para alocação dos recursos em setores específicos. Quando do
processo de estabilização econômico (1994), foi criado o Fundo Social de
Emergência (FSE) com o intuito de garantir o cumprimento da política fiscal de
Itamar/FHC, em especial a de superávit primário, permitindo assim desvincular
parte das receitas do orçamento para outras áreas que não as de destinação
específica.
Apesar de o
Governo Federal apresentar argumentos contrários à relação entre DRU e gastos sociais, esses podem ser
verificados através do relatório DESVINCULAÇÃODE RECEITAS DA UNIÃO, GASTOS SOCIAIS E AJUSTE FISCAL de autoria do economista e Consultor Legislativo Fernando Dias. Neste o autor
afirma:
Em relação às áreas sociais, uma análise
meramente legal da DRU mostraria que as áreas de educação, saúde e trabalho
foram prejudicadas. A tabela abaixo mostra as reduções de recursos vinculados
para essas áreas com a desvinculação:
REDUÇÃO
DE RECURSOS VINCULADOS - 2006
|
|||
R$ milhões
|
|||
Sem DRU
|
Com DRU
|
Perda
|
|
Manutenção
e Desenvolvimento do Ensino (MDE)
|
17.676
|
11.553
|
6.124
|
Fundo
Nacional de Saúde (FNS)
|
16.808
|
13.446
|
3.362
|
Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT)
|
23.388
|
18.710
|
4.678
|
Apesar do autor
deste relatório afirmar ao seu fim que não existem perdas para a seguridade
social, saúde ou educação com a DRU – uma vez que o autor entende que recursos
de outras fontes cobririam essa retirada -, a perda de receita fica evidente na
tabela acima.
Fica claro que
prorrogação da DRU é um mecanismo necessário para a manutenção de uma política
contracionista e fiscalista desenvolvida desde os governos FHC até Lula e que,
apesar das nuances desenvolvimentistas adotadas recentemente pelo governo, vem
tendo continuidade com Dilma. Boschetti e Salvador afirmam que o a DRU
“[...] a alquimia de transformar os recursos
destinados ao financiamento da seguridade social em recursos fiscais para a
composição do superávit primário e, em conseqüência, sua utilização para pagamento de juros da dívida. Conforme a Anfip (2005), somente em 2004 a DRU foi
responsável pela desvinculação de R$ 24 bilhões das receitas arrecadadas para a
seguridade social.”
Cardoso Jr. e Castro,
ao discorrerem sobre as transferências de renda do lado real da economia para o
lado financeiro, ressaltam que
“Particularmente importante para a
compreensão geral deste argumento são as transferências que se tem observado do
Orçamento da Seguridade Social para o Orçamento Geral da União (e não o
contrário, como estava previsto pela Constituição de 88). [...] há, durante
todo o período 1995/2002, mas sobretudo a partir de 1999, uma situação na qual uma parte estimada anualmente entre 1%
e 2% do PIB é arrecadada em nome da área social, mas a ela não repassada.
Mediante o FSE/FEF/DRU, desvincula-se 20% de recursos gerais do orçamento para
“livre” uso por parte do governo federal, vale dizer, para a geração de
superávit primário exigido pelo FMI e pagamento de parte dos juros da dívida
pública.” (Grifos nossos).
Podemos então
concluir que a prorrogação da DRU, apesar do discurso contrário do governo,
retira da Seguridade Social – e aqui incluída a Previdência Social - recursos
fundamentais para o fechamento de suas contas. A falácia do déficit da
previdência é alimentada pela própria política fiscalista adotada pelo governo
federal e não denunciada pelos veículos da grande imprensa. Por detrás da
divulgação do “déficit” cresce o interesse pela privatização do setor.
Garibaldi Alves, atual ministro da Previdência, já fala que as aposentadorias e pensões dos servidores públicos
são os maiores problemas para a previdência e que a criação de um fundo de
específico para eles seria a melhor saída. Aos poucos o governo avança no
convencimento dessa necessidade. É imperioso para a militância de esquerda
denunciar essa campanha em andamento, bem como mostrar o que de fato
acontece com a Previdência Social no Brasil.
Saiba mais
sobre como funciona a previdência social, bem como a farsa sobre o “déficit” da
previdência, através da tese de doutorado da profa. Denise Gentil [PDF]
Bibliografias sobre assunto:
Boschetti e Salvador - O Financiamento da Seguridade Social no Brasil no Período 1999 a 2004: Quem Paga a Conta? [PDF]
Cardoso Jr. e Castro - Economia Política das Finanças Sociais Brasileiras no Período 1995/2002. [PDF]
Salvador - Fundo Público no Brasil: Financiamento e destino dos recursos da Seguridade Social (2000 à 2007) [PDF]
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