Neste artigo Paulo Passarinho faz uma análise importante do imediatismo que predomina na equipe econômica do governo. Em não possuir uma estratégia de longo prazo para nossa economia, as propostas elaboradas pelo governo se adequam não ás necessidades da população, mas de acordo com a força do lobby dos empresários. Confiram. (Aquiles Melo)
Paulo Passarinho
Em 25 de maio de 2012
Do site: Correio da Cidadania
Há pouco tempo, escrevi um artigo (No
reino do curto-prazo) destacando a
dependência do governo, em seu processo de tomada de decisões, de situações
conjunturais de curto-prazo.
Esse é um dos elementos que evidenciam a total subordinação do
país a diferentes circunstâncias econômicas, sem que tenhamos um norte
estratégico definido. Vivemos, assim, a ausência de um projeto de nação que
estabeleça metas e objetivos nacionais a serem atingidos no curto, médio e
longo prazos, através de meios e instrumentos factíveis e racionais. Algo que
no passado era denominado de planejamento.
Vivemos, na verdade, a realidade de um país que navega nas ondas
circunstanciais das pressões de um mercado globalizado e cada vez mais
concentrado e altamente competitivo. O Brasil atual (com as suas estruturas de
poder) passa a ser, desse modo, um administrador de pressões e interesses que
surgem dos pólos mais dinâmicos do atual jogo global, notadamente corporações
transnacionais e financeiras.
Frente, por exemplo, à fase da crise do capital que se abre a
partir de 2007/2008, e que no momento aponta para o agravamento da situação de
crise na Europa, com a possibilidade de a Grécia deixar a área do euro, o
governo procura se agarrar a qualquer expediente que lhe garanta que a economia
brasileira possa ter, agora em 2012, uma taxa de crescimento um pouco maior que
a obtida em 2011.
Para tanto, Guido Mantega, o ministro da Fazenda, apresentou nesta
semana um novo pacote de incentivo ao consumo, especialmente voltado para a
indústria automotiva. Reduções na cobrança do IPI, diminuição do IOF em
operações de crédito às pessoas físicas, liberação de recursos de R$ 18 bilhões
dos depósitos compulsórios do Banco Central para “irrigar” o crédito e taxas de
juros mais reduzidas no BNDES foram as principais medidas anunciadas.
Um dia após esse anúncio, o próprio ministro, em depoimento no
Senado, admitiu que houve pressões das montadoras na elaboração do pacote. Com
os seus pátios cheios de automóveis, as fábricas ameaçavam com demissões ou
férias coletivas os seus empregados.
O governo tenta um pouco mais do mesmo. No início da crise, em
2008, o governo apostou na demanda interna, no consumo das famílias, para
garantir taxas positivas de crescimento. Perdeu em 2009, com o resultado
negativo do PIB, mas ganhou folgadamente em 2010, um ano eleitoral e que
garantiu a eleição de Dilma à presidência.
Contudo, o quadro atual é diferenciado. Com a expansão das vendas
a crédito no país, com um custo financeiro muito elevado, por conta das altas
taxas de juros, há um endividamento acumulado bastante elevado e o nível de
inadimplência das famílias começa a preocupar. A renda real dos trabalhadores
somente se eleva nos estratos mais pobres da população, assim como o próprio
emprego. Mesmo em um contexto de redução das taxas de juros, nota-se que os
pátios das montadoras revelam que existe uma saturação da demanda por
automóveis – assim como de outros bens de consumo duráveis – que dificilmente
será de fato revertida com as medidas anunciadas.
A alternativa de se buscar através do incremento dos investimentos
uma saída para a reversão do baixo crescimento econômico também parece
problemática. No plano privado, as incertezas provocadas pela própria crise não
nos possibilitam imaginar uma mudança no patamar de investimentos que nos
últimos anos temos observado, mesmo com o endividamento contraído pelo Tesouro
para incrementar a atuação do BNDES junto aos seus clientes privados. Pelo lado
da iniciativa direta do Estado, a ditadura fiscal do superávit primário nos
impede de qualquer esperança de uma mudança na atual taxa de investimento do
setor público.
Complicando um pouco mais o quadro em que se debate o governo, nas
últimas semanas a saída de dólares do país se intensificou. A acentuada queda
nas cotações do Ibovespa revela essa pressão de venda de ações, especialmente
por parte de investidores estrangeiros, mas também por parte de especuladores
brasileiros.
A curiosidade dessa situação – que fez com que nessa semana o
dólar chegasse a ser negociado a R$2,10, obrigando o Banco Central a vender
parte de suas reservas internacionais para fazer a cotação da moeda americana
recuar – é que há muito pouco tempo a preocupação do governo era com a
excessiva valorização do Real. Tal qual uma biruta de aeroporto, parece que a
sensibilidade das autoridades econômicas depende dos ventos de cada momento.
E essa “fuga do risco” por parte dos especuladores é certamente a
maior preocupação do governo. Nos últimos anos, nossa vulnerabilidade externa
aumentou enormemente. Além de termos deixado para trás os anos em que o saldo
comercial do país cobriu as despesas com o pagamento da nossa conta de
serviços, entre os anos de 2003 e 2007, desde 2008 temos contraído crescentes
déficits em conta corrente, cobertos pela entrada de capitais para aplicações
financeiras ou para a aquisição de ativos reais.
O professor Reinaldo Gonçalves, da UFRJ, em recente trabalho
(Governo Lula e o nacional-desenvolvimentismo às avessas, publicado na Revista
da Sociedade Brasileira de Economia Política, de fevereiro de 2012), aponta que
o passivo externo total do Brasil (o conjunto dos compromissos do país com os
estrangeiros) evoluiu de US$ 343 bilhões, no final de 2002, para US$ 1,294
trilhão.
Descontando-se desse passivo total os investimentos diretos dos
estrangeiros (investimentos em ativos reais: fábricas, terras, supermercados e
demais negócios produtivos), temos os dados do chamado passivo externo
financeiro (aplicações em bolsa e títulos financeiros, incluindo títulos da
dívida pública). Em 2002, o total desse passivo era de US$ 260 bilhões e, em
2010, alcançou a cifra de US$ 916 bilhões.
Esses são passivos que rapidamente, em um momento de crise, podem
conformar uma forte pressão por liquidez, com o objetivo de serem retirados do
país, produzindo fortes pressões sobre o mercado de câmbio. Reinaldo Gonçalves
destaca que, mesmo ao se levar em conta as elevadas reservas internacionais do
país – sempre lembradas como um poderoso instrumento à disposição do governo –,
a situação não é confortável: em 2002, esse denominado passivo externo
financeiro líquido era de US$ 222 bilhões; em 2010, ao final do governo Lula,
já havia atingido US$ 628 bilhões.
Além disso, sob o ponto de
vista estrutural, não há nenhum indício de uma leve reversão que seja do quadro
de desequilíbrio corrente das contas externas. Ao contrário, e os resultados de
2011 e deste 2012 demonstram claramente, há um crescimento cada vez mais
robusto do déficit da conta de serviços, puxado pelas remessas de lucros,
dividendos e juros da dívida externa, ao mesmo tempo em que a tendência é de
uma redução do saldo comercial do país.
Paulo
Passarinho é economista e apresentador do programa de rádio Faixa Livre.