quinta-feira, novembro 03, 2011

Por um novo rumo na Teoria Econômica

Por Aquiles Melo

Uma característica das crises econômicas é proporcionar uma reflexão entre seus teóricos sobre os (des)caminhos por onde andou a teoria econômica que não consegui prever e  evitar que o sistema entrasse em crise. Essa pergunta foi feita, por exemplo, por Paul Krugman após a crise financeira das hipotecas subprime em 2007. Krugman, prêmio Nobel de Economia em 2008, polemizou ao escrever o artigo How Did Economists Get It So Wrong?, onde inicia realizando uma crítica aos teóricos do mainstream economics na medida em que estes afirmavam que as distintas visões existentes na macroeconomia convergiram para um consenso e a prevenção de depressões já era coisa do passado.
 Colocava ainda que “a crença em mercados financeiros eficientes cegou a maioria dos economistas da emergência da maior bolha financeira da história”. No entanto, o que gostaríamos de frisar nesse momento foi seu questionamento: What happened to the economics profession? And where does it go from here? (O que aconteceu com a ciência econômica e para onde ela irá a partir de agora?)
Esta pergunta novamente toma a cena no cenário de crise econômica em que nos encontramos. Economistas voltam a se questionar e procuram entender o que acontece hoje no campo da teoria econômica que esta não consegue mais dar respostas efetivas para os problemas econômicos contemporâneos. Aos poucos percebem que seus pressupostos estavam equivocados, ou seja, que mercados não são tão “eficientes” quanto pensavam e nem mesmo se autoregulam, que o homo economicus não é tão racional assim, e que a intervenção do governo não só não é nociva, mas necessária. Cai por terra algo que há anos serve como dogma da ciência econômica contemporânea e que se tornara hegemônico, em especial após a débâcle das experiências socialistas.   
O interessante desse novo cenário é que, ao olhar para si, a ciência econômica começa a perceber não só o quanto esteve enganada, mas também o quanto outros economistas, renegados por discordarem das posições hegemônicas, conseguiram compreender do fenômeno crise e tornam-se peças importantes na fundamentação de políticas alternativas ao mainstream. Falo aqui de Karl Marx e John Maynard Keynes.
Recentemente, o famoso economista Nouriel Roubini, causou espanto ao afirmar em entrevista ao Wall Street Journal: “Karl Marx estava certo. [...]Nós pensamos que os mercados funcionavam. Eles não estão funcionando. O que é individualmente racional ... é um processo auto-destrutivo.” De lá pra cá vem crescendo o número de economistas que argumentam a necessidade de retornam ao pensamento de Marx e de Keynes para explicar o fenômeno que abala os mercados internacionais. Em nossa vizinha Argentina, por exemplo, uma polêmica já se instaura: O Editorial do Jornal La Nación apontava que o ministro da fazenda Amado Boudou havia pronunciado que os planos de estudos desenvolvidos nas faculdades de Ciências Econômicas de seu país foram dominados pelo pensamento neoliberal de forma que seu povo não reflita sobre suas necessidades e adote as medidas impostas pelo Fundo Monetário Internacional. Mais adiante o Editorial afirmava que alunos ligados ao kirchnerismo propunham limitar os estudos da teoria clássica a Marx e Keynes. Em artigo Rolando Astarita, economista argentino, rebate o editorial de La Nación apontando que o que se pretende já há muitos anos é que economistas heterodoxos sejam aceitos nos currículos dos cursos de ciências econômicas. Inclusive esse movimento ultrapassa as fronteiras da Argentina e mesmo universidades como a de Cambridge, onde 27 alunos do Ph.D. em Economia dessa instituição escreveram uma carta aberta com o intuito de que a economia se abra para esse tipo de discussão, já conta com mais de 800 assinaturas de professores de todo o mundo propondo essa “abertura”.
Em terra brasilis essa discussão vem sendo trabalhada por diversos professores e alunos que, aos poucos, conseguem algum espaço nas discussões, mas ainda assim poucos são os avanços nesse sentido. A Sociedade Brasileira de Economia Política é um dos movimentos mais fortes e organizados que promovem anualmente um encontro onde são destacados artigos e pesquisas de alunos e professores que teorizam dentro de uma linha mais heterodoxa. Esses artigos dificilmente conseguem acesso aos encontros da ANPEC (Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia) cujo pensamento do mainstream economics domina de ponta a ponta. Ressalte-se que aqui a ANPEC é responsável pela prova de acesso aos mestrados em Economia do país. Nesse caso, o aluno que pretender adentrar esse tipo de curso de pós-graduação em economia deve de imediato, “jogar fora” o que aprendeu de heterodoxia e se aprofundar no pensamento ortodoxo do mainstream. Com isso, o ensino de Economia em nosso país encontra-se refém do pensamento que colocou o mundo nessa crise, e nossos economistas sem o arcabouço teórico necessário para nos livrar dela.
Mas o que mais nos chamou a atenção nos últimos dias foi encontrar, entre os adeptos por uma reformulação no pensamento econômico, a figura de Antônio Delfim Netto. Delfim vem publicando um conjunto de artigos onde realiza severas críticas à ortodoxia econômica. Em  artigo recém publicado, O viés dos economistas, Delfim gira sua metralhadora contra todos os matizes da economia desde ortodoxos até marxistas e keynesianos, apontando limites e insuficiências. Em outro artigo mais recente, Faltam árbitros, Delfim reconhece que, o economista é um cientista social que procura [pelo menos deveria – grifo nosso] entender como funciona o mundo real e não impor-lhe o que gostaria que ele fosse. O resultado do seu trabalho deve ajudar a lubrificar o funcionamento das instituições que levam ao desenvolvimento sustentável com justiça social. Nem toda atividade social é de interesse da economia, mas toda atividade econômica é de interesse social. Afirma ainda que “Em cada país, os economistas estão diante de um novo e excitante momento. Devem procurar entender as novas oportunidades que se abrem à profissão para renovar o trabalho mais modesto de oferecer instrumentos para a boa governança dos Estados e a melhor alocação dos seus recursos. A Economia precisa voltar a abrigar contribuições de todos os matizes, teóricos e ideológicos, porque aqui, como na Biologia, só a diversidade é fértil. Os economistas, por sua vez, precisam recuperar a História, a Geografia, a Sociologia, a Psicologia, a Antropologia, e usar mais modestamente a Topologia…
Acreditamos ser interessante e oportuna essa reviravolta que passa o pensamento econômico. Há muito tempo ocorre uma luta silenciada pelos grandes veículos de (in)formação – Universidades e grande mídia -  mas que aos poucos consegue ser ouvida. Pensar a ciência econômica como algo exato, é matematizar as relações sociais. E é isso que vem ocorrendo no interior dos campi de economia em todo o Brasil. Keynes e Marx são dispensados, enquanto econometrias avançadas ganham espaço sem dizer realmente para que vieram. Não estamos aqui militando pela dispensa de métodos quantitativos na economia, mas enquanto esta última reduzir as ações humanas a cálculos e probabilidades, sem compreender que o homo economicus não existe, economia e crises continuarão a caminhar lado a lado. 

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