Uma característica
das crises econômicas é proporcionar uma reflexão entre seus teóricos sobre os
(des)caminhos por onde andou a teoria econômica que não consegui prever e evitar que o sistema entrasse em crise. Essa
pergunta foi feita, por exemplo, por Paul Krugman após a crise financeira das
hipotecas subprime em 2007. Krugman,
prêmio Nobel de Economia em 2008, polemizou ao escrever o artigo How Did Economists Get It So Wrong?,
onde inicia realizando uma crítica aos teóricos do mainstream economics na medida em que estes
afirmavam que as distintas visões existentes na macroeconomia convergiram para
um consenso e a prevenção de depressões já era coisa do passado.
Colocava ainda que “a crença em mercados financeiros eficientes cegou a maioria dos economistas
da emergência da maior bolha financeira da história”. No entanto, o que gostaríamos de frisar nesse momento foi seu
questionamento: What happened to the
economics profession? And where does it go from here? (O que aconteceu com
a ciência econômica e para onde ela irá a partir de agora?)
Esta pergunta novamente
toma a cena no cenário de crise econômica em que nos encontramos. Economistas
voltam a se questionar e procuram entender o que acontece hoje no campo da
teoria econômica que esta não consegue mais dar respostas efetivas para os
problemas econômicos contemporâneos. Aos poucos percebem que seus pressupostos
estavam equivocados, ou seja, que mercados não são tão “eficientes” quanto
pensavam e nem mesmo se autoregulam, que o homo
economicus não é tão racional assim, e que a intervenção do governo não só
não é nociva, mas necessária. Cai por terra algo que há anos serve como dogma
da ciência econômica contemporânea e que se tornara hegemônico, em especial após
a débâcle das experiências
socialistas.
O interessante
desse novo cenário é que, ao olhar para si, a ciência econômica começa a
perceber não só o quanto esteve enganada, mas também o quanto outros
economistas, renegados por discordarem das posições hegemônicas, conseguiram compreender
do fenômeno crise e tornam-se peças importantes na fundamentação de políticas
alternativas ao mainstream. Falo aqui
de Karl Marx e John Maynard Keynes.
Recentemente, o
famoso economista Nouriel Roubini, causou espanto ao afirmar em entrevista ao
Wall Street Journal: “Karl Marx estava certo. [...]Nós
pensamos que os mercados funcionavam. Eles não estão
funcionando. O que é individualmente racional ... é um processo auto-destrutivo.”
De lá pra cá vem crescendo o número de economistas que argumentam a necessidade
de retornam ao pensamento de Marx e de Keynes para explicar o fenômeno que
abala os mercados internacionais. Em nossa vizinha Argentina, por exemplo, uma
polêmica já se instaura: O Editorial do Jornal La Nación apontava que o ministro da fazenda Amado Boudou havia pronunciado que os planos
de estudos desenvolvidos nas faculdades de Ciências Econômicas de seu país
foram dominados pelo pensamento neoliberal de forma que seu povo não reflita
sobre suas necessidades e adote as medidas impostas pelo Fundo Monetário
Internacional. Mais adiante o Editorial afirmava que alunos ligados ao kirchnerismo
propunham limitar os estudos da teoria clássica a Marx e Keynes. Em artigo Rolando Astarita, economista argentino, rebate o editorial de La Nación apontando
que o que se pretende já há muitos anos é que economistas heterodoxos sejam
aceitos nos currículos dos cursos de ciências econômicas. Inclusive esse
movimento ultrapassa as fronteiras da Argentina e mesmo universidades como a de
Cambridge, onde 27 alunos do Ph.D. em Economia dessa instituição escreveram uma carta aberta com o intuito de que a economia se abra para esse tipo de
discussão, já conta com mais de 800 assinaturas de professores de todo o mundo propondo
essa “abertura”.
Em terra brasilis essa discussão vem sendo
trabalhada por diversos professores e alunos que, aos poucos, conseguem algum
espaço nas discussões, mas ainda assim poucos são os avanços nesse sentido. A
Sociedade Brasileira de Economia Política é um dos movimentos mais fortes e
organizados que promovem anualmente um encontro onde são destacados artigos e
pesquisas de alunos e professores que teorizam dentro de uma linha mais
heterodoxa. Esses artigos dificilmente conseguem acesso aos encontros da ANPEC
(Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia) cujo pensamento
do mainstream economics domina de
ponta a ponta. Ressalte-se que aqui a ANPEC é responsável pela prova de acesso
aos mestrados em Economia do país. Nesse caso, o aluno que pretender adentrar
esse tipo de curso de pós-graduação em economia deve de imediato, “jogar fora” o
que aprendeu de heterodoxia e se aprofundar no pensamento ortodoxo do mainstream. Com isso, o ensino de
Economia em nosso país encontra-se refém do pensamento que colocou o mundo
nessa crise, e nossos economistas sem o arcabouço teórico necessário para nos
livrar dela.
Mas o que mais
nos chamou a atenção nos últimos dias foi encontrar, entre os adeptos por uma
reformulação no pensamento econômico, a figura de Antônio Delfim Netto. Delfim vem
publicando um conjunto de artigos onde realiza severas críticas à ortodoxia
econômica. Em artigo recém publicado, O viés dos economistas, Delfim gira sua metralhadora contra todos os matizes da economia desde ortodoxos
até marxistas e keynesianos, apontando limites e insuficiências. Em outro artigo
mais recente, Faltam árbitros,
Delfim reconhece que, o economista é um cientista social que procura [pelo menos deveria – grifo
nosso] entender como funciona o mundo
real e não impor-lhe o que gostaria que ele fosse. O resultado do seu trabalho
deve ajudar a lubrificar o funcionamento das instituições que levam ao
desenvolvimento sustentável com justiça social. Nem toda atividade social é de
interesse da economia, mas toda atividade econômica é de interesse social.
Afirma ainda que “Em cada país, os economistas estão diante de um novo e excitante
momento. Devem procurar entender
as novas oportunidades que se abrem à profissão para renovar o trabalho mais
modesto de oferecer instrumentos para a boa governança dos Estados e a melhor
alocação dos seus recursos. A Economia
precisa voltar a abrigar contribuições de todos os matizes, teóricos e ideológicos,
porque aqui, como na Biologia, só a diversidade é fértil. Os economistas, por
sua vez, precisam recuperar a História, a Geografia, a Sociologia, a
Psicologia, a Antropologia, e usar mais modestamente a Topologia…”
Acreditamos ser
interessante e oportuna essa reviravolta que passa o pensamento econômico. Há
muito tempo ocorre uma luta silenciada pelos grandes veículos de (in)formação –
Universidades e grande mídia - mas que
aos poucos consegue ser ouvida. Pensar a ciência econômica como algo exato, é
matematizar as relações sociais. E é isso que vem ocorrendo no interior dos campi de economia em todo o Brasil.
Keynes e Marx são dispensados, enquanto econometrias avançadas ganham espaço
sem dizer realmente para que vieram. Não estamos aqui militando pela dispensa
de métodos quantitativos na economia, mas enquanto esta última reduzir as ações
humanas a cálculos e probabilidades, sem compreender que o homo economicus não existe, economia e crises continuarão a
caminhar lado a lado.
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